Cada vez mais me apaixono por
minha profissão. Profissão que talvez eu nem possa exercer... Sou optometrista
formada em curso superior no ano de 2004 e desde então luto pelo direito de
poder trabalhar. Muitos médicos oftalmologistas dizem que eu quero executar uma
atividade profissional que só compete a eles. Alguns chegam ao cúmulo de
chamarem a mim e a meus colegas de “falsos médicos”. Deveriam passar um tempo
na Europa, nos Estados Unidos ou na Colômbia para ver o que é realmente a
Optometria, ou pelo menos consultar os documentos da Organização Mundial de
Saúde que reconhece nossa profissão. Alguns médicos brasileiros acham que podem
mais do que o mundo! Não quero ser médica e sei exatamente até onde vai o meu
trabalho!
De vez em quando saio da minha
cidade – Florianópolis – e vou atender em Jaraguá do Sul, no consultório de um
colega que está se especializando em Optometria Comportamental. Quando isso
acontece, saio de casa às cinco horas da manhã e pego a estrada dirigindo meu
valente Clio vermelho. Faz pouco tempo que descobri o prazer de dirigir na
estrada, morria de medo, pânico mesmo, até que me apaixonei por um homem que
mora a trezentos e cinquenta quilômetros de distância da minha casa... Não tem
jeito, para namorar tenho que enfrentar a BR serra acima! Ainda tenho medo,
ainda saio de casa pensando que poderei não voltar... Mas meu namorado me disse
que ninguém morre antes da hora... E eu acreditei! E aí comecei a encarar o
medo e até a gostar dessa adrenalina.
Rumo a Jaraguá do Sul, o dia
começando, ouvindo Marina de La Riva cantar “Ojos Malignos” no rádio do carro,
às seis horas da manhã, um pouco antes de passar por Itapema, vi uma paisagem
tão maravilhosa que uma sensação enorme de prazer percorreu todos os meus
neurônios, cada pedacinho do meu corpo, me senti em transe... Um prazer
solitário, delicioso... Vi os contornos de dois morros começando a contrastar
com o céu que pouco a pouco clareava e duas estrelas enormes e brilhantes.
Agradeci (a Deus, à Natureza, à Vida, ou seja lá que nome se queira dar a esta
força que nos move e faz o mundo girar) por ter olhos e ouvidos sadios que me
permitem misturar sensações que me fazem acreditar que viver vale a pena.
E aí lembrei da Dona Maria, uma
senhora linda cujos cabelos o tempo se encarregou de branquear, que eu atendera
no dia anterior, num dos locais onde trabalho:
- Quero fazer óculos para
enxergar longe, não estou conseguindo mais definir o rosto das pessoas quando
elas estão meio distantes. Perto até que eu enxergo bem, gosto de jogar baralho
e consigo enxergar as cartas. Cruzes! É até pecado dizer que eu não enxergo, eu
enxergo, mas acho que podia ficar melhor.
- E a saúde geral, como está,
Dona Maria, tudo bem? Tem algum problema como pressão alta ou diabetes?
- Ah, eu sou diabética...
- E faz algum controle alimentar
ou com medicamento?
- Não faço não, minha filha, eu
vou morrer de qualquer jeito, comendo ou não... Então eu como mesmo, tudo o que
quero, não passo vontade não!
A filha dela que estava junto na
consulta e até então não havia interferido resolveu falar. Relatou que a mãe
não se cuida, que há alguns anos quiseram lhe operar os olhos (não soube
especificar o motivo da cirurgia), mas ela e os irmãos não autorizaram por medo
já que a mãe é portadora de diabetes. Dona Maria confessou que fez exames há
pouco mais de um mês, mas o resultado estava no fundo de uma gaveta, sem nem
ser aberto:
- É difícil conseguir médico e eu
sou relaxada mesmo, poderia ter levado numa farmácia pelo menos, né?
Examinei-a e descobri uma
opacificação no cristalino, estava aí o motivo da cirurgia que elas não
souberam especificar. Não vou dizer o que significa uma opacificação no
cristalino porque os médicos podem querer dizer que estou diagnosticando alguma
coisa, mas esse significado pode ser facilmente acessado com uma busca rápida
no “Doutor Google”. Isto compromete bastante a visão. Detectei também a
presença de dioptria negativa, que provavelmente está relacionada com as altas
taxas de açúcar no sangue. Não dava para prescrever óculos, pois quando a
diabetes não está sob controle a visão oscila muito – as altas taxas de açúcar
no sangue modificam o índice de refração do cristalino e o grau de hoje pode
não valer nada amanhã.
Expliquei para Dona Maria que não
poderia dar óculos a ela enquanto não estivesse controlando a doença. Falei da
importância desse cuidado e que ela precisava ir ao posto de saúde e insistir
para que o médico analisasse o seu exame, que deveria procurar um
oftalmologista para solucionar a opacificação no cristalino depois que
estivesse com a diabetes sob controle e só então ela poderia fazer os óculos.
Dona Maria tem razão: morrer todo
mundo vai morrer mesmo. Entretanto, enquanto vivermos temos o direito da
qualidade de vida! De que adianta viver sem enxergar direito e com uma série de
problemas decorrentes da doença?
Ela entendeu, agradeceu, me
beijou, me abraçou, elogiou meu trabalho. Eu não solucionei o “motivo principal
da consulta”, que eram os óculos que ela queria para enxergar longe, mas cumpri
meu trabalho, sim, pois também é papel do optometrista a conscientização! Não
somos médicos, mas somos sim profissionais da saúde. Terminei o atendimento
feliz e completamente consciente de que nunca quis exercer a medicina! Agora um
juiz vai decidir se eu posso ou não ser optometrista. Tomara que ele entenda
que o meu trabalho não tem nada a ver com a função do oftalmologista e me dê o
direito de exercer com plenitude a profissão que escolhi.
Nossa amei seu blog, estou na mesma luta como vc, mas ainda em formação, nossa profissão é como vc mesma diz: não queremos ser médicos, sabemos exatamente até onde vai nosso trabalho... só queremos poder contribuir para um Brasil melhor, que possa enxergar seus problemas e resolvê-los! Parabéns, siga em frente!
ResponderExcluirAbraço amigo de Viviane Beltrame
gostei muito!
ResponderExcluirOlá Bianca! Li o seu texto e em sua simplicidade você aborda uma situação que nós optometristas vemos e ouvimos todos os dias. Onde estão os médicos nessas horas? Fico triste sempre que tenho que "negar" uma boa visão à meus pacientes, especialmente quando não cabe a mim resolver e sim a um médico. Um abraço! Amei o blog! :)
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