Ouso dizer que Eduardo Galeano é
um dos pensadores mais contundentes e coerentes da história recente. Palavras
dele, que me levam a pensar no que vivo cotidianamente no consultório
optométrico:
Eu não acredito em
caridade, acredito em solidariedade.
Caridade é muito
vertical, de cima para baixo. Solidariedade é horizontal, respeitando as
pessoas.
Tenho muito a aprender
com as outras pessoas.
Ana era minha primeira paciente
do dia. Passei por ela na recepção e escutei parte da conversa:
- Ah, não sei... Acho que não vou
consultar... Nem sei se vou ter dinheiro para fazer os óculos depois...
Entrei no consultório crente de que
desistiria da consulta, mas em seguida ela também entrou: desconfiada, com a
cara fechada, pouco a pouco foi se deixando conquistar. Trabalho sem pressa,
com carinho, com amor à profissão, com muita escuta e, sobretudo, com muito
respeito a quem me procura. No fim até sorriu. Despediu-se dizendo:
- Amanhã vou trazer minha irmã
aqui! Mas para ela tens que colocar números, eu ainda conheço um pouco as
letras, ela não!
É impressionante o número de
pessoas analfabetas ou semianalfabetas que ainda hoje encontro numa das
principais cidades catarinenses (segundo o IBGE Santa Catarina é o terceiro
estado brasileiro com menor taxa de analfabetismo).
No dia seguinte lá estava ela com
a irmã, que não conhecia letras, não sabia a data de nascimento e nem a própria
idade. Percebi que não se tratava de alguém com baixo QI ou com algum déficit
cognitivo. Tratava-se de uma mulher comum, a quem o correr da vida não permitiu
que pudesse dar importância a essas pequenezas do mundo burguês. A ela não foi
dada a oportunidade de aprender a ler e, talvez porque a vida não lhe
proporcione motivos para comemorar, não guarda as datas na memória.
Duas mulheres fortes, guerreiras,
que me ensinam que é preciso olhar para as pessoas com carinho e lutar com elas
por um mundo mais digno e mais humano! Não para que guardem datas
comemorativas, mas para que dominem os meios que lhes podem permitir mudar a
história e assim comemorar a própria vida.
Leitura sutil deste evento cotidiano. O excerto de Galeano caiu muitíssimo bem. É uma escritora danada! Boto fé.
ResponderExcluir