domingo, 1 de julho de 2012

Um olhar para a Optometria – Quando minha história encontra Dona Maria


Cada vez mais me apaixono por minha profissão. Profissão que talvez eu nem possa exercer... Sou optometrista formada em curso superior no ano de 2004 e desde então luto pelo direito de poder trabalhar. Muitos médicos oftalmologistas dizem que eu quero executar uma atividade profissional que só compete a eles. Alguns chegam ao cúmulo de chamarem a mim e a meus colegas de “falsos médicos”. Deveriam passar um tempo na Europa, nos Estados Unidos ou na Colômbia para ver o que é realmente a Optometria, ou pelo menos consultar os documentos da Organização Mundial de Saúde que reconhece nossa profissão. Alguns médicos brasileiros acham que podem mais do que o mundo! Não quero ser médica e sei exatamente até onde vai o meu trabalho!
De vez em quando saio da minha cidade – Florianópolis – e vou atender em Jaraguá do Sul, no consultório de um colega que está se especializando em Optometria Comportamental. Quando isso acontece, saio de casa às cinco horas da manhã e pego a estrada dirigindo meu valente Clio vermelho. Faz pouco tempo que descobri o prazer de dirigir na estrada, morria de medo, pânico mesmo, até que me apaixonei por um homem que mora a trezentos e cinquenta quilômetros de distância da minha casa... Não tem jeito, para namorar tenho que enfrentar a BR serra acima! Ainda tenho medo, ainda saio de casa pensando que poderei não voltar... Mas meu namorado me disse que ninguém morre antes da hora... E eu acreditei! E aí comecei a encarar o medo e até a gostar dessa adrenalina.
Rumo a Jaraguá do Sul, o dia começando, ouvindo Marina de La Riva cantar “Ojos Malignos” no rádio do carro, às seis horas da manhã, um pouco antes de passar por Itapema, vi uma paisagem tão maravilhosa que uma sensação enorme de prazer percorreu todos os meus neurônios, cada pedacinho do meu corpo, me senti em transe... Um prazer solitário, delicioso... Vi os contornos de dois morros começando a contrastar com o céu que pouco a pouco clareava e duas estrelas enormes e brilhantes. Agradeci (a Deus, à Natureza, à Vida, ou seja lá que nome se queira dar a esta força que nos move e faz o mundo girar) por ter olhos e ouvidos sadios que me permitem misturar sensações que me fazem acreditar que viver vale a pena.
E aí lembrei da Dona Maria, uma senhora linda cujos cabelos o tempo se encarregou de branquear, que eu atendera no dia anterior, num dos locais onde trabalho:
- Quero fazer óculos para enxergar longe, não estou conseguindo mais definir o rosto das pessoas quando elas estão meio distantes. Perto até que eu enxergo bem, gosto de jogar baralho e consigo enxergar as cartas. Cruzes! É até pecado dizer que eu não enxergo, eu enxergo, mas acho que podia ficar melhor.
- E a saúde geral, como está, Dona Maria, tudo bem? Tem algum problema como pressão alta ou diabetes?
- Ah, eu sou diabética...
- E faz algum controle alimentar ou com medicamento?
- Não faço não, minha filha, eu vou morrer de qualquer jeito, comendo ou não... Então eu como mesmo, tudo o que quero, não passo vontade não!
A filha dela que estava junto na consulta e até então não havia interferido resolveu falar. Relatou que a mãe não se cuida, que há alguns anos quiseram lhe operar os olhos (não soube especificar o motivo da cirurgia), mas ela e os irmãos não autorizaram por medo já que a mãe é portadora de diabetes. Dona Maria confessou que fez exames há pouco mais de um mês, mas o resultado estava no fundo de uma gaveta, sem nem ser aberto:
- É difícil conseguir médico e eu sou relaxada mesmo, poderia ter levado numa farmácia pelo menos, né?
Examinei-a e descobri uma opacificação no cristalino, estava aí o motivo da cirurgia que elas não souberam especificar. Não vou dizer o que significa uma opacificação no cristalino porque os médicos podem querer dizer que estou diagnosticando alguma coisa, mas esse significado pode ser facilmente acessado com uma busca rápida no “Doutor Google”. Isto compromete bastante a visão. Detectei também a presença de dioptria negativa, que provavelmente está relacionada com as altas taxas de açúcar no sangue. Não dava para prescrever óculos, pois quando a diabetes não está sob controle a visão oscila muito – as altas taxas de açúcar no sangue modificam o índice de refração do cristalino e o grau de hoje pode não valer nada amanhã.
Expliquei para Dona Maria que não poderia dar óculos a ela enquanto não estivesse controlando a doença. Falei da importância desse cuidado e que ela precisava ir ao posto de saúde e insistir para que o médico analisasse o seu exame, que deveria procurar um oftalmologista para solucionar a opacificação no cristalino depois que estivesse com a diabetes sob controle e só então ela poderia fazer os óculos.
Dona Maria tem razão: morrer todo mundo vai morrer mesmo. Entretanto, enquanto vivermos temos o direito da qualidade de vida! De que adianta viver sem enxergar direito e com uma série de problemas decorrentes da doença?
Ela entendeu, agradeceu, me beijou, me abraçou, elogiou meu trabalho. Eu não solucionei o “motivo principal da consulta”, que eram os óculos que ela queria para enxergar longe, mas cumpri meu trabalho, sim, pois também é papel do optometrista a conscientização! Não somos médicos, mas somos sim profissionais da saúde. Terminei o atendimento feliz e completamente consciente de que nunca quis exercer a medicina! Agora um juiz vai decidir se eu posso ou não ser optometrista. Tomara que ele entenda que o meu trabalho não tem nada a ver com a função do oftalmologista e me dê o direito de exercer com plenitude a profissão que escolhi.

3 comentários:

  1. Nossa amei seu blog, estou na mesma luta como vc, mas ainda em formação, nossa profissão é como vc mesma diz: não queremos ser médicos, sabemos exatamente até onde vai nosso trabalho... só queremos poder contribuir para um Brasil melhor, que possa enxergar seus problemas e resolvê-los! Parabéns, siga em frente!
    Abraço amigo de Viviane Beltrame

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  2. Olá Bianca! Li o seu texto e em sua simplicidade você aborda uma situação que nós optometristas vemos e ouvimos todos os dias. Onde estão os médicos nessas horas? Fico triste sempre que tenho que "negar" uma boa visão à meus pacientes, especialmente quando não cabe a mim resolver e sim a um médico. Um abraço! Amei o blog! :)

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