segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Trapalhadas e descobertas

Arrumei um trabalho novo, no outro lado da cidade, distante trinta e cinco quilômetros de casa. Meu primeiro dia foi todo atrapalhado. Estava contando que minha mãe poderia ficar com minha filha, o que não foi possível. Precisei deixar meu rebento na casa do pai, o que aumentou consideravelmente o meu trajeto.

Ao sair de casa lembrei que este consultório novo possuia apenas um projetor de optotipos (um aparelho que projeta letras, números e desenhos e dá a informação da acuidade visual, ou seja, é um aparelho que possibilita quantificar a visão). No carro estava minha caixa de provas (uma maleta cheia de lentes) e a armação. Estava faltando o retinoscópio - equipamento com o qual se pode analisar o comportamento da luz dentro do olho do paciente e assim determinar se é míope, hipermétrope ou astigmata, bem como os valores aproximados das lentes que necessita - que estava no meu consultório, bem longe da casa do pai de minha filha e do trabalho novo.

Olhei o relógio. Percebi que tinha duas opções: ou chegava atrasada no primeiro dia ou ia sem equipamento. Com a cara e a coragem fui sem equipamento. O trabalho seria um pouco mais demorado, mas eu conseguiria chegar ao mesmo resultado.

Com algum domínio de óptica fisiológica e dos recursos do projetor é possível saber se o paciente é míope, hipermétrope ou astigmata:

Primeiro recurso: o "dial", que é a imagem de um relógio ou transferidor - se o paciente enxergar todos raios com a mesma nitidez não possui astigmatismo, se identificar raios com maior nitidez é porque existe astigmatismo. O raio mais nítido determina o eixo (ou a posição) deste astigmatismo. Isso porque o astigmatismo trata-se da existência de diferentes "graus" numa mesma estrutura ocular (geralmente a córnea, mas pode ser também o cristalino). O meridiano com menor "grau" é o que possui maior nitidez. Compensa-se o astigmatismo acrescentando lentes cilíndricas até que o paciente enxergue todos os ponteiros com a mesma nitidez.


Segundo recurso: o teste bicromático, que é a projeção de letras sobre um fundo verde e outro vermelho. Sabe-se que a luz vermelha tem um comprimento de onda maior, o que facilita a visão do míope, que também possui o olho mais comprido. A luz verde tem um comprimento de onda menor, o que facilita a visão do hipermétrope, que possui o olho mais curto. Portanto, se o paciente enxerga melhor sobre o fundo vermelho acrescenta-se lentes negativas até que observe que a nitidez se iguala no verde e no vermelho. Quando o paciente enxerga melhor sobre o fundo verde acrescenta-se lentes positivas até o equilíbrio entre as cores.



Quando contei a façanha para um amigo, ele perguntou espantado, como se eu estivesse praticando bruxaria:

- Que isso? Mágica?

- Não. É física, - respondi - é pura física!

Mas não é só física, é uma mistura de conhecimento técnico, escuta, sensibilidade e paciência, exercício diário. Experiência que só se domina com a prática, com erros e acertos. Foi muito bom ter esquecido os equipamentos na estreia. Porque percebi que um bom exame não depende de equipamentos modernos. Existem muitos outros fatores que interferem no atendimento.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sobre o carinho


 Quadro "Tem Tainha na Ilha" de Rodrigo Pereira



Seu João traz no rosto as estradas traçadas pela intransigência do tempo, pela rigidez da vida, pela labuta sob o sol e sobre a água salgada; profundos sulcos...

Chegou de muletas, acompanhado pela filha. Sessenta e dois anos marcados no corpo como se fossem mais, bem mais, uns quinze mais, talvez... Não contou muitos detalhes da sua história. Disse apenas que é morador da Praia da Pinheira, pescador aposentado, fato que talvez explique a catarata precoce.

No olhar quase sem brilho trazia a esperança de encontrar solução para o seu problema:

- Eu vim aqui para ver se consegues me fazer enxergar da vista direita! Não enxergo nada com ela!

- O médico falou que era para o pai operar esse olho, mas ele não quer... - entregou a filha.

(Esses dias li um artigo na revista Saúde que falava sobre a importância de os idosos irem às consultas acompanhados por um familiar: "'Isso é positivo se levarmos em consideração que muitas pessoas mais velhas não conseguem dar todas as informações importantes ao clínico e às vezes não se dão conta de alguns problemas que podem ser percebidos por um familiar', avalia o geriatra Omar Jaluul, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo".)

- Me conta direito essa, história, Seu João! - pedi.

- Eu tinha catarata nas duas vistas, operei a esquerda, com ela enxergo bem, com direita não enxergo nada, acho que ela está começando a atrapalhar a esquerda, corre muita água do meu olho! Mas eu não quero operar não!

- Por que não, Seu João?

- Por que não? Já viu o tamanho da "gulha" que eles usam para dar anestesia? É uma "gulha" enorme! Não quero não!

Seu João tem medo de agulha! Olhei para a filha e brinquei:

- Imagina se tivesse que ganhar filho, né?

Ela riu e concordou comigo, ele retrucou, coberto de razão:

- Não! Cada um com a sua dor! Cada um sabe de si!

Examinei-o. Realmente, o cristalino direito estava completamente opaco, sem chance de a imagem chegar à retina...

- É, Seu João, não tem jeito não! Infelizmente eu não posso fazer nada para melhorar a visão deste olho! Só a cirurgia mesmo é que vai resolver! O senhor tem que procurar um oftalmologista e operar!

Alterei um pouco o grau que estava usando no olho bom, com o objetivo de amenizar os sintomas que vinha apresentando - o cansaço visual e o lacrimejamento). Ele ficou triste por não haver solução que não a cirurgia para catarata, mesmo assim me agradeceu com um carinho sem tamanho, decidido a não operar! 

Quando a menina que me auxilia entrou no consultório para acompanhá-los até a saída, surpreendeu-nos no exato momento em que ele beijava minha mão:

- O que é isso, Seu João? O senhor sabe de pode beijar a mão dela assim? O senhor é danado, hein? Traz a filha e não traz a mulher só pra poder beijar, né?

Todos rimos!

- Pode beijar sim, Seu João! Um carinho assim é sempre bom! - e por fim beijei-lhe a mão também!

sábado, 13 de outubro de 2012

Duas mulheres



Ouso dizer que Eduardo Galeano é um dos pensadores mais contundentes e coerentes da história recente. Palavras dele, que me levam a pensar no que vivo cotidianamente no consultório optométrico:

Eu não acredito em caridade, acredito em solidariedade.
Caridade é muito vertical, de cima para baixo. Solidariedade é horizontal, respeitando as pessoas.
Tenho muito a aprender com as outras pessoas.

Ana era minha primeira paciente do dia. Passei por ela na recepção e escutei parte da conversa:
- Ah, não sei... Acho que não vou consultar... Nem sei se vou ter dinheiro para fazer os óculos depois...
Entrei no consultório crente de que desistiria da consulta, mas em seguida ela também entrou: desconfiada, com a cara fechada, pouco a pouco foi se deixando conquistar. Trabalho sem pressa, com carinho, com amor à profissão, com muita escuta e, sobretudo, com muito respeito a quem me procura. No fim até sorriu. Despediu-se dizendo:
- Amanhã vou trazer minha irmã aqui! Mas para ela tens que colocar números, eu ainda conheço um pouco as letras, ela não!
É impressionante o número de pessoas analfabetas ou semianalfabetas que ainda hoje encontro numa das principais cidades catarinenses (segundo o IBGE Santa Catarina é o terceiro estado brasileiro com menor taxa de analfabetismo).
No dia seguinte lá estava ela com a irmã, que não conhecia letras, não sabia a data de nascimento e nem a própria idade. Percebi que não se tratava de alguém com baixo QI ou com algum déficit cognitivo. Tratava-se de uma mulher comum, a quem o correr da vida não permitiu que pudesse dar importância a essas pequenezas do mundo burguês. A ela não foi dada a oportunidade de aprender a ler e, talvez porque a vida não lhe proporcione motivos para comemorar, não guarda as datas na memória.
Duas mulheres fortes, guerreiras, que me ensinam que é preciso olhar para as pessoas com carinho e lutar com elas por um mundo mais digno e mais humano! Não para que guardem datas comemorativas, mas para que dominem os meios que lhes podem permitir mudar a história e assim comemorar a própria vida.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Seu David

 Minha convicção de que as pessoas mais simples são também as mais bonitas torna-se mais forte a cada dia. Não falo dessa beleza artificial comprada em salões, academias e clínicas de estética. Falo de beleza de verdade.

Seu David chegou no meu consultório trazendo muita alegria numa manhã de terça-feira. Carpinteiro, analfabeto, a boca desdentada e a fala rápida típica da gente do litoral catarinense:

- Eu gostei de ti, nega! Tu atendes direitinho, tu escutas a gente, tens paciência! Não é todo mundo que atende a gente assim não, tem muito médico e dentista por aí que nem olha na cara da gente! - não preciso nem dizer que ganhei o dia com este elogio, né? - Desculpa te chamar de nega, mas é o meu jeito falar, não tem?

- Não tem problema, não, seu David, pode me chamar de nega, eu gosto, é carinhoso!

Depois me perguntou se não tenho medo de ficar sozinha com uma pessoa dentro do consultório. Expliquei que não, que tenho câmeras que me cuidam o tempo inteiro. Contou orgulhoso que é pai de seis, avô de dez e bisavô de uma. Havia muita doçura nos seus olhos!

Foi embora levando a possibilidade de enxergar o mundo com maior nitidez através de novas lentes e deixando meu olhar repleto de beleza e carinho.

Às vezes as pessoas não precisam muito mais do que isso: de alguém que lhes dê atenção, que lhes ofereça um pouquinho de carinho. Um feliz encontro de histórias e olhares! 
 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Olhos que sorriem


FRAGMENTO

Machado de Assis

"...Eu gosto de olhos que sorriem,
de gestos que se desculpam,
de toques que sabem conversar
e de silêncios que se declaram..."


segunda-feira, 30 de julho de 2012

Quem direciona o olhar é o coração


O problema de ter dois blogs é este: existem histórias que fazem parte da minha poesia cotidiana e ao mesmo tempo retratam olhares... Na dúvida resolvi publicar nos dois. Esta história fala de olhar, de olhar para a vida com outros olhos, que é o objetivo de “Histórias e Olhares”. E também vem carregada do meu olhar de mãe. Mas acima de tudo é um olhar de orgulho, carinho e admiração por uma amiga guerreira. 
Juro que não pensei que ela tivesse toda essa força. Chorei quando recebi a notícia de que ela teria que enfrentar um linfoma. Meu irmão já enfrentou esta luta (a história dele pode ser lida aqui) e sei que é uma barra pesadíssima. Por mais que o linfoma seja um dos tumores com melhor prognóstico, é um câncer e há que se enfrentar a quimioterapia.
Uma vez fui visitá-la no início do tratamento e conversamos sobre a inevitável queda de cabelo. Contou-me que não tinha vontade de usar peruca, que iria assumir a careca. Acabou aderindo às perucas para evitar o olhar de pena que a maioria das pessoas dirige para quem está enfrentando uma quimioterapia. O olhar de pena sempre é arrasador e o que mais se precisa nessas horas é coragem e esperança. Foi duro vê-la careca pela primeira vez, no meu consultório optométrico, só nós duas, mas acho que consegui segurar a onda.
A pior parte do tratamento já terminou. Por mais dois anos terá que tomar um medicamento de controle, mas não tem mais quimioterapia. O cabelo dela já começou a crescer, ainda está bem curtinho, mas já está cheio. Agora ela não usa mais peruca. E está linda assim!
Ontem fomos almoçar na casa dela, Helena – minha filha – e eu. Em determinado momento foram as duas até o quarto, fiquei na sala. De repente aparecem rindo: Helena estava com uma das perucas compradas especialmente para enfrentar o período da quimioterapia. Aquilo virou uma gostosa brincadeira. Todos experimentamos as perucas – até o pai da minha amiga entrou na onda. Mais uma vez tive que conter o choro. Mas fiz questão de fotografar a cena. Helena sabe que minha amiga esteve doente, não sabe e não entende o que de fato aconteceu. Mas a foto foi feita e, quando Helena crescer e conseguir entender, terei o maior orgulho de mostrar a ela como alguém pode transformar em brinquedo um objeto muito significativo de uma parte bastante sofrida da própria história!
Muito obrigada, minha linda amiga, por me proporcionar uma cena de tamanha beleza! Nunca vou esquecê-la! Muito obrigada por me dar oportunidade de contar essa história de superação para minha filhota! Muito obrigada por me ensinar a olhar para aquela peruca como um troféu de uma batalha que venceste!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O olhar da mente - Oliver Sacks

Depois de ficar cega na casa dos quarenta, Arlene Gordon descobriu que a linguagem e a descrição eram cada vez mais importantes, pois estimulavam sua capacidade de lidar com imagens mentais mais do que antes, e, em certo sentido, permitiam-lhe ver. "Adoro viajar", ela me diz. "Eu vi Veneza quando estive lá". Ela explicou que seus companheiros de viagem descreviam os lugares, e ela então construía uma imagem mental baseada nos detalhes que eles lhe forneciam, em suas leituras e em suas próprias memórias visuais. "Pessoas que veem têm prazer em viajar comigo", ela comentou. "Faço perguntas, e elas então veem coisas que, se não fosse por mim, passariam despercebidas. É tão comum pessoas que têm visão não verem nada! É um processo recíproco - enriquecemos mutuamente os nossos mundos".

Temos aqui um paradoxo - delicioso - que não consigo resolver: se de fato existe uma diferença fundamental entre a vivência e a descrição, entre o conhecimento mediado do mundo, por que então a linguagem é tão poderosa? A linguagem, a mais humana das invenções, pode possibilitar o que, em princípio, não deveria ser possível. Pode permitir a todos nós, inclusive os cegos congênitos, ver com os olhos de outra pessoa.

Trecho do livro "O olhar da mente", de Oliver Sacks, um pouco daquilo em que acredito quando ouço e posteriormente escrevo as histórias dos meus pacientes: a tentativa de olhar para a vida com os olhos de outras pessoas!

quarta-feira, 18 de julho de 2012

domingo, 1 de julho de 2012

Um olhar para a Optometria – Quando minha história encontra Dona Maria


Cada vez mais me apaixono por minha profissão. Profissão que talvez eu nem possa exercer... Sou optometrista formada em curso superior no ano de 2004 e desde então luto pelo direito de poder trabalhar. Muitos médicos oftalmologistas dizem que eu quero executar uma atividade profissional que só compete a eles. Alguns chegam ao cúmulo de chamarem a mim e a meus colegas de “falsos médicos”. Deveriam passar um tempo na Europa, nos Estados Unidos ou na Colômbia para ver o que é realmente a Optometria, ou pelo menos consultar os documentos da Organização Mundial de Saúde que reconhece nossa profissão. Alguns médicos brasileiros acham que podem mais do que o mundo! Não quero ser médica e sei exatamente até onde vai o meu trabalho!
De vez em quando saio da minha cidade – Florianópolis – e vou atender em Jaraguá do Sul, no consultório de um colega que está se especializando em Optometria Comportamental. Quando isso acontece, saio de casa às cinco horas da manhã e pego a estrada dirigindo meu valente Clio vermelho. Faz pouco tempo que descobri o prazer de dirigir na estrada, morria de medo, pânico mesmo, até que me apaixonei por um homem que mora a trezentos e cinquenta quilômetros de distância da minha casa... Não tem jeito, para namorar tenho que enfrentar a BR serra acima! Ainda tenho medo, ainda saio de casa pensando que poderei não voltar... Mas meu namorado me disse que ninguém morre antes da hora... E eu acreditei! E aí comecei a encarar o medo e até a gostar dessa adrenalina.
Rumo a Jaraguá do Sul, o dia começando, ouvindo Marina de La Riva cantar “Ojos Malignos” no rádio do carro, às seis horas da manhã, um pouco antes de passar por Itapema, vi uma paisagem tão maravilhosa que uma sensação enorme de prazer percorreu todos os meus neurônios, cada pedacinho do meu corpo, me senti em transe... Um prazer solitário, delicioso... Vi os contornos de dois morros começando a contrastar com o céu que pouco a pouco clareava e duas estrelas enormes e brilhantes. Agradeci (a Deus, à Natureza, à Vida, ou seja lá que nome se queira dar a esta força que nos move e faz o mundo girar) por ter olhos e ouvidos sadios que me permitem misturar sensações que me fazem acreditar que viver vale a pena.
E aí lembrei da Dona Maria, uma senhora linda cujos cabelos o tempo se encarregou de branquear, que eu atendera no dia anterior, num dos locais onde trabalho:
- Quero fazer óculos para enxergar longe, não estou conseguindo mais definir o rosto das pessoas quando elas estão meio distantes. Perto até que eu enxergo bem, gosto de jogar baralho e consigo enxergar as cartas. Cruzes! É até pecado dizer que eu não enxergo, eu enxergo, mas acho que podia ficar melhor.
- E a saúde geral, como está, Dona Maria, tudo bem? Tem algum problema como pressão alta ou diabetes?
- Ah, eu sou diabética...
- E faz algum controle alimentar ou com medicamento?
- Não faço não, minha filha, eu vou morrer de qualquer jeito, comendo ou não... Então eu como mesmo, tudo o que quero, não passo vontade não!
A filha dela que estava junto na consulta e até então não havia interferido resolveu falar. Relatou que a mãe não se cuida, que há alguns anos quiseram lhe operar os olhos (não soube especificar o motivo da cirurgia), mas ela e os irmãos não autorizaram por medo já que a mãe é portadora de diabetes. Dona Maria confessou que fez exames há pouco mais de um mês, mas o resultado estava no fundo de uma gaveta, sem nem ser aberto:
- É difícil conseguir médico e eu sou relaxada mesmo, poderia ter levado numa farmácia pelo menos, né?
Examinei-a e descobri uma opacificação no cristalino, estava aí o motivo da cirurgia que elas não souberam especificar. Não vou dizer o que significa uma opacificação no cristalino porque os médicos podem querer dizer que estou diagnosticando alguma coisa, mas esse significado pode ser facilmente acessado com uma busca rápida no “Doutor Google”. Isto compromete bastante a visão. Detectei também a presença de dioptria negativa, que provavelmente está relacionada com as altas taxas de açúcar no sangue. Não dava para prescrever óculos, pois quando a diabetes não está sob controle a visão oscila muito – as altas taxas de açúcar no sangue modificam o índice de refração do cristalino e o grau de hoje pode não valer nada amanhã.
Expliquei para Dona Maria que não poderia dar óculos a ela enquanto não estivesse controlando a doença. Falei da importância desse cuidado e que ela precisava ir ao posto de saúde e insistir para que o médico analisasse o seu exame, que deveria procurar um oftalmologista para solucionar a opacificação no cristalino depois que estivesse com a diabetes sob controle e só então ela poderia fazer os óculos.
Dona Maria tem razão: morrer todo mundo vai morrer mesmo. Entretanto, enquanto vivermos temos o direito da qualidade de vida! De que adianta viver sem enxergar direito e com uma série de problemas decorrentes da doença?
Ela entendeu, agradeceu, me beijou, me abraçou, elogiou meu trabalho. Eu não solucionei o “motivo principal da consulta”, que eram os óculos que ela queria para enxergar longe, mas cumpri meu trabalho, sim, pois também é papel do optometrista a conscientização! Não somos médicos, mas somos sim profissionais da saúde. Terminei o atendimento feliz e completamente consciente de que nunca quis exercer a medicina! Agora um juiz vai decidir se eu posso ou não ser optometrista. Tomara que ele entenda que o meu trabalho não tem nada a ver com a função do oftalmologista e me dê o direito de exercer com plenitude a profissão que escolhi.