quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Encontro, olhar e cumplicidade




"Um dia vem a vida e esfrega
a realidade na cara da gente!
Poesia não é feita
só de sonhos e fantasia
nem sempre é doce,
nem sempre é suave
pode ser grave,
pode ser dura
pode ser fria
Realidade também é poesia"

"Sentir a dor do outro
e saber que ela
é minha também,
porque é a dor do mundo
do mundo sem cor!
Descolorido mundo
Mundo doente
Se sou parte do planeta
também sinto dor.
Se não sinto nada
estou mais doente
do que o mundo!"

"Minha dor é sua
Sua dor é minha:
suador, febre, tontura...
Dor de impotência...
Dor de saber
Dor de capitalismo
Dor de desumanidade
Dor de desigualdade
Dor de individualismo
Dor de crueldade
de perversidade...
Dor... "

A mãe trazia o filho para uma avaliação optométrica, um homem, 26 anos, quase não falava, a mãe era quem conversava:

- Eu trouxe meu filho aqui porque os óculos dele estão ruins, as lentes estão arranhadas, já faz muito tempo que fez o último exame, tá reclamando da visão...

- Como está a tua saúde? Está tomando algum medicamento? - fiz as perguntas diretamente para o rapaz.

- Não é muito boa não, tenho epilepsia atípica e tomo medicamento para controle...

- E mais algum outro medicamento?

Foi a mãe quem respondeu:

- Ele vai começar a tomar todos esses medicamentos aqui, ó... E tirou uma lista de uns oito medicamentos diferentes, antidepressivos, ansiolíticos...

Fiz as anotações na ficha e prossegui o exame: olho direito tudo bem, olho esquerdo tudo bem também. Na hora de juntar os dois:

- E então, como fica com os dois juntos?

- Tá duplo!

Abaixei o grau, tirei do refrator (aquele aparelho que parece uma máscara), montei o grau na armação de prova (porque assim consigo mexer melhor no centro da lente)... Nada: a visão continuava dupla!

- Com os teus óculos a visão também é dupla?

- Sim!

- E sem óculos?

- Dupla!

- Meu filho, tu sempre vês duplo? - a mãe interferiu.

- Sim!

- E por que tu nunca me falaste isso, meu filho?

- Eu esqueço, mãe!

A mãe começou a chorar no consultório. Fiz o encaminhamento para optometria comportamental, pois este tipo de intervenção trabalha bastante com casos de visão dupla e tem bastante sucesso no tratamento.

- Vou abrir o jogo contigo, ele vai começar a tomar esses medicamentos todos porque foi diagnosticado com esquizofrenia, eu não sabia, mas ele batia com a cabeça na parede... Isso pode ter prejudicado a visão dele?

- Pode ser que seja por isso, pode ser que não... Agora o importante é a gente resolver essa questão!

- Só pra eu me preparar: é muito cara essa avaliação?

- Bom, não sei lhe dizer... A senhora tem que ligar pra lá e perguntar, sei que eles cobram um preço pela avaliação e depois, dependendo do tratamento tem outros valores...

Doeu responder aquilo. Aquela senhora estava disposta a pagar o que fosse preciso para resolver a questão do filho... Mesmo sendo gente de pouquíssimas posses...

- Se a senhora quiser eu posso acompanhar o tratamento, sou aluna deles, estou estudando optometria comportamental,  acho que não teria problema de vocês fazerem a avaliação lá e a gente continuar o tratamento aqui, se ficar mais fácil pra vocês...
- Pra nós facilitaria muito se fosse aqui... Obrigada!
- O que isso, me dá aqui um abraço - e abracei aquela senhora, com toda a cumplicidade de mãe, sem falar nada... Depois abracei o rapaz...
Emocionada, ela respondeu:
- Muito obrigada, minha filha! Acho que tu entendeste mais do que qualquer outro profissional pelos quais a gente já passou! Muito obrigada mesmo!
A compreensão da qual ela precisava: um abraço... Nada mais que um abraço!


- Bianca Velloso -

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